É possível a demissão por justa causa de empregado que praticou atos de depredação ao patrimônio público no dia 08/01/2023?

Sem qualquer cunho político, esse texto tratará apenas sobre a possibilidade, ou não, do empregador demitir um funcionário por justa causa por participação nos atos de depredação a prédios públicos no dia 08/01/2023 na Capital Federal. As hipóteses de demissão por justa causa de um empregado estão expressamente previstas no Art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho. No que toca ao tema ora tratado, está sendo divulgado em redes sociais que é possível a demissão por justa causa do funcionário que praticou os atos de vandalismo (ou terrorismo, como algumas pessoas tem qualificado), com base no parágrafo único do referido Art. 482 da CLT. É verdade?

A praça dos três poderes foi invadida por manifestantes no último dia 08/01/2023 por inconformismo político e no intuito, como pronunciado por alguns, de retomada do Poder. Os prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal foram atacados e extremamente danificados pelos manifestantes.

Sem qualquer cunho político, esse texto tratará apenas sobre a possibilidade, ou não, do empregador demitir um funcionário por justa causa por participação nos atos de depredação a prédios públicos no dia 08/01/2023 na Capital Federal.

As hipóteses de demissão por justa causa de um empregado estão expressamente previstas no Art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho. No que toca ao tema ora tratado, está sendo divulgado em redes sociais que é possível a demissão por justa causa do funcionário que praticou os atos de vandalismo (ou terrorismo, como algumas pessoas tem qualificado), com base no parágrafo único do referido Art. 482, que prevê:

Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: 

[…]

Parágrafo único – Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.                  

Questão inicial a ser tratada é que o texto do parágrafo único do Art. 482 da CLT foi incluído pelo Decreto-lei nº 3, de 27.1.1966. Ocorre que, se realizada uma pesquisa sobre esta legislação no próprio site do Planalto, a aparente resposta é que o referido Decreto teria sido revogado pela Lei nº 8.630, de 25.2.1993 (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0003.htm#art12).

Não obstante o resultado desta pesquisa simplória, o fato é que alguns doutrinadores trabalhistas defendem que não há revogação do Decreto de 1966 (ou seja, que ele está vigente) e outros que defendem que o texto do parágrafo único do Art. 482 da CLT foi revogado pela própria Constituição Federal, já que a Carta da República não autoriza prisões ou condenações por meio de inquérito administrativo (Art. 5o, XXXV, LIII e LIV da Constituição Federal).

Então temos aqui uma primeira conclusão: se existe uma divergência doutrinária sobre a vigência do texto legal que ampararia uma demissão por justa causa nessa situação, o empregador deve tomar extrema cautela na decisão de demitir, por justa causa, um funcionário que tenha participado do ato de 08/01/2023.

Para aqueles que desejam desafiar a divergência doutrinária e prefiram seguir a corrente de que o parágrafo único do artigo 482 da CLT está vigente e que, portanto, é possível a demissão por justa causa, é importante observar o raciocínio a seguir.

O texto que prevê a possibilidade de demissão por justa causa nesta hipótese condiciona a resolução contratual aos seguintes pontos:

a) prática de atos atentatórios a segurança nacional;

b) devidamente comprovada por inquérito administrativo.

Pois bem. E o que são atos atentatórios a segurança nacional?

A Lei n. 71.70/1983 conceitua vários atos que atentam a segurança nacional nos Arts. 8o ao 29.

No que toca aos atos realizados no dia 08/01/2023, na Capital Federal, penso que as práticas atentatórias estariam enquadradas nos artigos a seguir:

Art. 17. Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito.

     Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.

     Art. 18. Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.

Pena: reclusão, de 2 a 6 anos. 

Art. 20. Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

     Pena: reclusão, de 3 a 10 anos. 

Art. 23. Incitar:

      I – à subversão da ordem política ou social; […]

     Pena: reclusão, de 1 a 4 anos. 

Então, pelo que foi amplamente divulgado nas imagens dos atos dos manifestantes, podemos concluir que houve, de fato, a prática de atos atentatórios a segurança nacional (principalmente pelo disposto no Artigo 20, quanto a depredação e explosões praticadas em prédios públicos por inconformismo político). Desta forma, temos identificado o primeiro requisito que, a princípio, poderia justificar a demissão de um empregado por justa causa.

Mas essa hipótese de demissão por justa causa prevista na CLT também condiciona a comprovação dos atos atentatórios por inquérito administrativo.

E sobre este ponto, temos várias outras correntes doutrinárias. O que seria esse inquérito administrativo? Alguns autores chegaram a defender que, como não há previsão na CLT sobre este tipo de inquérito, poderia ser utilizado pelo empregador os seguintes expedientes: a sindicância interna na empresa ou que esse inquérito fosse processado e julgado na Justiça do Trabalho.

Contudo, a já citada Lei n. 71.70/1983 – que trata sobre a segurança nacional – determina que a apuração dos crimes previstos na Lei seja realizada pela Polícia Federal. É o que prevê o Art. 31:

Art. 31. Para apuração de fato que configure crime previsto nesta Lei, instaurar-se-á inquérito policial, pela Polícia Federal:

      I – de ofício;

      II – mediante requisição do Ministério Público;

      III – mediante requisição de autoridade militar responsável pela segurança interna;

      IV – mediante requisição do Ministro da Justiça.

      Parágrafo único. Poderá a União delegar, mediante convênio, a Estado, ao Distrito Federal ou a Território, atribuições para a realização do inquérito referido neste artigo.

Deste modo, quanto ao cumprimento do segundo requisito,  conclui-se que a prática contra a segurança nacional deve estar devidamente comprovada por inquérito policial instaurado pela Polícia Federal (ou pelos Estados e Distrito Federal, mediante delegação de competência, conforme prevê o parágrafo único do Art. 31 citado alhures).

Diante de todo o arcabouço legal, os contornos e divergências doutrinárias, não se pode afirmar que um empregado visto na manifestação (ex: por imagens/vídeos divulgados na internet) poderá ser sumariamente demitido por justa causa.

Primeiro o empregador deve se atentar sobre a possibilidade de uma reversão da justa causa pelo Poder Judiciário caso se entenda que o parágrafo único do Art. 482 da CLT está revogado (como abordado no início do texto). E, além disso, o empregador só poderá demitir o funcionário por justa causa com base nessa previsão legal se houver a comprovação da prática do ato atentatório a segurança nacional por inquérito instaurado pela Polícia Federal.

Portanto, empresários, a decisão de demitir por justa causa um empregado que eventualmente tenha sido visto participando dos atos de vandalismo no último dia 08/01/2023 na Capital Federal deve ser tomada com muita cautela.

2 comentários

  1. Acredito que, em relação a divergência sobre a revogação ou não do parágrafo único do art. 482 da CLT, ao aplicar o princípio do In dubio pro operário, pode-se chegar a conclusão que o parágrafo único não deve ser aplicado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *